Investigados por atuarem como disseminadores de dossiês clandestinos produzidos pela “Abin paralela”, os empresários Richards Pozzer e Rogério Beraldo de Almeida organizaram, entre 2020 e 2022, ataques digitais contra mais de 30 pessoas ou instituições – de Sleeping Giants a Flávio Dino, passando por Sergio Moro e Randolfe Rodrigues. Pozzer e Almeida foram presos na última quinta-feira (11) em operação da Polícia Federal.
O Radar Aos Fatos mapeou oito perfis pertencentes aos empresários – cinco de Pozzer e três de Almeida –, que foram usados em diferentes momentos para driblar a moderação de conteúdo no então Twitter. Sempre que uma das contas era suspensa pela plataforma, os investigados criavam um novo perfil.
O mapeamento mostra que os perfis de Pozzer e Almeida faziam campanhas difamatórias contra parlamentares, organizações sociais e outros alvos que criticavam o governo Bolsonaro (em oposição permanente ou de modo pontual). Os dois presos pela PF também ajudaram a disseminar peças de desinformação na linha das pautas defendidas pelo ex-presidente, como o uso da hidroxicloroquina contra a Covid-19 e a defesa do voto impresso.
As campanhas difamatórias e desinformativas circularam mais de 160 vezes em grupos monitorados pelo Radar Aos Fatos no Telegram e também circularam no Whatsapp.
Assim como as ações clandestinas descritas pelo relatório da PF, as ações identificadas pela reportagem seguiam um mesmo modus operandi:
- Os perfis ligados a Pozzer e Almeida divulgavam informações públicas sobre opositores políticos – prestações de contas, processos judiciais e informações sobre posts e seguidores em redes sociais; depois, estabeleciam conexões inexistentes entre elas para insinuar crimes ou levantar teorias da conspiração;
- Outros influenciadores e youtubers eram marcados nos posts para que ajudassem a compartilhar o conteúdo;
- Na maior parte das vezes, as publicações eram feitas em forma de fios no Twitter e usavam hashtags para viralizar.
Campanhas difamatórias
A publicação mais viral levantada pelo Aos Fatos foi feita em fevereiro de 2021 e expunha informações sobre pessoas supostamente ligadas ao Sleeping Giants Brasil – coletivo dedicado a desmonetizar sites e páginas que espalham desinformação. O objetivo era sugerir que o grupo seria financiado por ONGs internacionais.
Segundo o relatório da Polícia Federal, a investigação foi inicialmente conduzida pela Diretoria de Operações de Inteligência da Abin. Apesar de o órgão ter determinado mais tarde o arquivamento do caso, as informações levantadas foram vazadas para Pozzer pelo agente Marcelo Araújo Bormevet – também preso pela PF no dia 11.
O Radar Aos Fatos também encontrou o mesmo conteúdo em publicações arquivadas do perfil @DallasGinghinniReturn, que pertencia a Almeida. O fio publicado por ele sobre o assunto foi compartilhado mais de 30 vezes em grupos de Telegram e replicado pelo site Vida Destra, citado no relatório da PF como um dos disseminadores dos conteúdos divulgados pela “Abin Paralela”.
"Pouco tive a ver com o que será postado a seguir, porém faço uso de minha rede para expor canalhas e uma DST da internet chamada Sleeping Giants Brasil", diz o início da publicação.
O segundo conteúdo mais viral corrobora as investigações da PF, segundo as quais autoridades da Abin, como o então diretor Alexandre Ramagem, pediram que agentes conduzissem investigações clandestinas contra opositores políticos. Estão entre esses opositores os senadores Renan Calheiros (MDB-AL), Omar Aziz (PSD-AM) e Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), então na mesa diretora da CPMI da Covid-19.
Em maio de 2021, um dos perfis de Almeida sugeriu que Calheiros estaria usando parentes e funcionários de gabinete como “laranjas” para controlar emissoras de rádio e TV em Alagoas. As acusações, que usavam como base reportagens e investigações antigas, eram acompanhadas da hashtag #RenanVagabundo e circularam mais de 15 vezes em grupos no Telegram.
Para atacar o senador, Richards Pozzer também promoveu o termo #EsquemaDoRenan. As publicações pediam que o MP investigasse uma suposta irregularidade no aluguel do escritório de apoio do senador em Maceió, cujo endereço seria o mesmo do diretório do MDB no estado.
O ex-ministro da Justiça e hoje senador Sergio Moro (União Brasil-PR) também consta entre os alvos de Pozzer e Almeida. As postagens diziam, sem provas, que ele integrava um grupo de WhatsApp com advogados de Adélio Bispo – responsável pelo atentado contra Jair Bolsonaro em 2018.
Outros alvos
Aos Fatos também identificou que os perfis de Pozzer e Almeida miraram outros políticos além dos citados no relatório da PF. Estão entre eles:
- O então governador do Maranhão e atual ministro do STF, Flávio Dino, que foi acusado por Almeida de comprar respiradores sem licitação na época da pandemia;
- E ao menos outros quatro deputados que haviam votado contra proposta que tornava obrigatório o voto impresso: Alexandre Frota (PDT-SP), Alessandro Molon (PSB-RJ), Augusto Coutinho (Republicanos-PE) e Bia Cavassa (PSDB-MS).
Em setembro de 2021, por exemplo, Pozzer publicou um fio no Twitter expondo a prestação de contas do deputado Alessandro Molon, que havia pago para impulsionar conteúdo nas redes. As publicações insinuavam, sem provas, que o parlamentar estaria promovendo disparos em massa ilegais com a hashtag #DisparosdoMolon.
O conteúdo foi replicado em vídeo pelo youtuber Kim Paim – citado no relatório da PF como um dos influenciadores que disseminaram conteúdos produzidos pela “Abin paralela”.
As campanhas difamatórias também miraram figuras fora da política:
- Em fevereiro de 2021, um dos perfis ligado a Rogério Almeida fez publicações insinuando supostas irregularidades na prestação de contas do Instituto Igarapé – que havia acionado o STF para revogar decretos de Bolsonaro sobre a venda de armas de fogo;
- Ainda de acordo com as investigações, Kim Paim teria recebido de Pozzer um dossiê com ataques a integrantes do Aos Fatos e da Agência Lupa. Questionado sobre o caso, o youtuber negou à reportagem ter relação com os investigados;
- Até mesmo uma lanchonete paulistana foi alvo de ofensas do empresário por imprimir um protesto contra Bolsonaro em sua nota fiscal.
A investigação da PF mostrou que a “Abin paralela” monitorou ilegalmente ministros, políticos, jornalistas e organizações de checagem, entre elas o Aos Fatos.
Covid-19 e voto impresso
Aplicando as mesmas estratégias usadas nas campanhas difamatórias, Pozzer e Almeida também publicaram em suas contas peças de desinformação que corroboravam medidas defendidas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Em abril de 2021, o perfil @DallasginReturn publicou vídeo que supostamente mostraria a melhora de uma paciente com Covid-19 após nebulização com hidroxicloroquina – prática considerada perigosa e sem evidências científicas. "É pra lascar o dedo no compartilhamento", dizia ele no post. O conteúdo circulou em ao menos oito grupos de Telegram monitorados pelo Radar Aos Fatos.
Já Pozzer fez ao menos 12 publicações questionando a eficácia das vacinas e também postou conteúdos questionando a segurança das urnas eletrônicas e defendendo o voto impresso. Os posts foram replicados em grupos de WhatsApp.
Em novembro de 2021, o perfil @richards_pozzer afirmou que o TSE estaria agindo na ilegalidade por não adotar o voto impresso, "que está na lei". Na verdade, a norma que determinava a impressão do voto não está mais em vigor desde 2003. Um texto posterior sobre a medida, sancionado em 2009, foi considerado inconstitucional em 2013.
O Aos Fatos procurou o escritório Chiquini Advogados, que representa Richards Dyer Pozzer, mas não houve resposta à tentativa de contato. A reportagem não conseguiu identificar os advogados de Rogério Beraldo de Almeida. O espaço segue aberto para manifestação.
O caminho da apuração
Depois que Richards Pozzer e Rogério Almeida foram presos na operação da Polícia Federal que mostrou a atuação de uma “Abin paralela” e o uso contínuo de desinformação, Aos Fatos decidiu mapear os perfis usados pelos dois. A reportagem encontrou oito perfis entre janeiro de 2020 e dezembro de 2022. Depois, buscou links para posts dessas contas que circularam em grupos de Telegram monitorados pelo Radar Aos Fatos no período.
Por fim, procuramos na ferramenta Wayback Machine por versões arquivadas das publicações, e as classificamos de acordo com os temas abordados ou os alvos atacados. Recuperamos o contexto das campanhas difamatórias e desinformativas com a ajuda de reportagens da imprensa.