A investigação da Polícia Federal sobre o uso ilegal da estrutura da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) pelo governo Jair Bolsonaro identificou uma ação clandestina para monitorar e coordenar ataques nas redes contra o Aos Fatos.
O sigilo da investigação foi retirado nesta quinta-feira (11) por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal — que foi um dos monitorados pela organização criminosa, segundo a PF.
Entre as pessoas monitoradas ilegalmente havia ainda outros três ministros do STF, jornalistas, parlamentares e opositores políticos do então presidente, Jair Bolsonaro (PL).
De acordo com o parecer da PGR (Procuradoria-Geral da República), “as ações clandestinas direcionadas contra opositores e instituições eram realizadas com a integração de funcionários públicos em exercício funcional na Presidência da República”.
Além de monitorar seus alvos, o núcleo ligado à chamada “Abin paralela” agia para produzir e disseminar conteúdos falsos. De acordo com a investigação da PF, o grupo atuava para beneficiar Bolsonaro e seu núcleo político.
Dois servidores cedidos à Abin e mais três pessoas envolvidas no esquema tiveram prisões decretadas de forma preventiva nesta quinta-feira (11):
- Marcelo Araújo Bormevet, agente da PF que atuava cedido à Abin;
- Giancarlo Gomes Rodrigues, sargento do Exército também cedido à Abin;
- Mateus de Carvalho Sposito, servidor da Secom no governo Bolsonaro;
- Richards Dyer Pozzer, empresário que recebia informações e publicava nas redes;
- e o empresário Rogério Beraldo de Almeida.
O parecer da PGR lista os alvos de um conjunto de “ações clandestinas”. Uma dessas ações menciona o Aos Fatos e a Agência Lupa, organizações de checagem.
A PF identificou que Bormevet e Rodrigues, os dois servidores cedidos à Abin, eram responsáveis por coordenar a coleta ilegal de informações, incluindo o uso de um software de espionagem de celulares.
No caso do Aos Fatos, eles repassavam supostos dossiês a influenciadores nas redes com o objetivo de coordenar ataques.
Nos documentos tornados públicos nesta quinta-feira (11), há mensagens de WhatsApp obtidas pela PF em que Bormevet e Rodrigues combinam para quais perfis iriam repassar informações.
“Estou fazendo um [sic] pesquisa em cima dessas agências de checagem que ficam detonando tudo que o PR [Bolsonaro] faz”, escreveu um deles em 19 de maio de 2021, de acordo com o relatório da PF. “Já fiz da Aos Fatos e agora estou fazendo da Agência Lupa.”
Após afirmar sem provas que dois jornalistas teriam recebido auxílio emergencial, um dos servidores da Abin diz que “o cara de [sic] presidência disse que vai tentar levar ao PR para ele falar na live”.
A Polícia Federal afirma que “a interlocução indica que os produtos ilícitos da estrutura paralela infiltradas na Abin eram destinados para uso e benefício do núcleo político neste caso concreto com referência expressa” ao então presidente, Jair Bolsonaro.
De acordo com a investigação, o levantamento ilegal com informações de perfis de redes sociais de jornalistas teria sido motivado pela proposta do senador Renan Calheiros (MDB-AL) de convidar agências de checagem para atuar na CPI da Covid-19.
A ofensiva contra o Aos Fatos e a Agência Lupa continuou ao menos até setembro daquele ano, quando um documento com ataques a checadores foi compartilhado pelo perfil de Richard Pozzer — um dos presos nesta quinta (11) — ao youtuber Kim D. Paim. Segundo as investigações, Pozzer atuava junto a influenciadores como disseminador das investigações ilegais da Abin, para subsidiar ataques em redes sociais.
Questionado, Paim negou ter relações com os investigados e que não produziu nenhum conteúdo relacionado ao material enviado por Pozzer em suas redes. “Apenas respondi educadamente ao ser procurado. Meu trabalho se baseia em matérias da imprensa, vídeos e pesquisas na biblioteca nacional”, afirmou.
Aos Fatos procurou o escritório Chiquini Advogados, que representa Richards Dyer Pozzer, mas não houve resposta à tentativa de contato.
O espaço permanece aberto para manifestações.
Ameaça à liberdade de imprensa
O advogado Dinovan Dumas, especializado em direito penal, explica que as investigações da PF apontam para crimes como organização criminosa, interceptação com objetivo não autorizado, corrupção ativa e passiva, concussão, crime licitatório e lavagem de dinheiro.
O mais preocupante para ele, no entanto, é a ameaça à liberdade de imprensa. “Quando a imprensa tem a sua liberdade de ação — de atuação, de desenvolvimento técnico, intelectual — ameaçada, o sistema democrático é fragilizado, a base da democracia é vilipendiada”, diz.
Para Dumas, contudo, ainda é necessário aprofundar a apuração sobre o alcance do poder paralelo instalado na Abin. “Eu não consigo, sob o ponto de vista da democracia, enxergar uma conduta mais grave.”
O caminho da apuração
O STF divulgou nesta quinta-feira (11) release sobre a operação que levou à prisão de ex-servidores acusados de envolvimento na “Abin paralela”. O texto contém links para a íntegra da decisão que autorizou a operação, além dos relatórios da PF e da PGR sobre o tema.
A reportagem utilizou uma ferramenta de OCR para acelerar a busca por palavras-chave nos relatórios e também fez buscas nas redes para tentar encontrar publicações dos influenciadores que difundiram ataques contra o Aos Fatos.
Este texto foi atualizado às 17h18 do dia 11.jul.2024 para incluir mais informações sobre a investigação da Polícia Federal e trechos da entrevista com o advogado Dinovan Dumas.
Este texto foi atualizado às 16h58 do dia 12.jul.2024 para incluir a resposta de Kim Paim e a informação de que Aos Fatos procurou o escritório Chiquini Advogados, que representa Richards Pozzer.