A defesa de Dilma em quatro checagens

Compartilhe

Em cerca de 14 horas de depoimento, a presidente afastada, Dilma Rousseff, cumpriu nesta segunda-feira (30) uma das últimas etapas de seu julgamento no Senado. Antes de abrir a sessão para perguntas, ela discursou por quase 45 minutos, ao longo dos quais questionou a legitimidade da condução do processo e justificou sua política fiscal.

Aos Fatos checou alguns dos principais trechos da fala de Dilma. Veja, abaixo, em quatro tópicos.


VERDADEIRO
O autor da representação junto ao Tribunal de Contas da União que motivou as acusações discutidas nesse processo foi reconhecido como suspeito pelo presidente do Supremo Tribunal Federal. Soube-se ainda, pelo depoimento do auditor responsável pelo parecer técnico, que ele havia ajudado a elaborar a própria representação que auditou.

Dilma se refere ao procurador Júlio Marcelo de Oliveira, que, na semana passada, falaria ao plenário do Senado como testemunha de acusação no processo de impeachment. O presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, acatou na última quinta-feira (25) pedido da defesa da presidente afastada para que Oliveira fosse impedido de depor como testemunha; em vez disso, prestou esclarecimentos como informante — o que o livrou do compromisso legal de dizer apenas a verdade.

O procurador é autor da representação que levou o TCU a analisar, julgar e reprovar as contas de Dilma no ano passado. Segundo a defesa, ele já havia emitido publicamente opiniões desfavoráveis à presidente afastada, o que, para Lewandowski, foi motivo de suspeição.


IMPRECISO

Deve ser também ressaltado que a busca do reequilíbrio fiscal, desde 2015, encontrou uma forte resistência na Câmara dos Deputados, à época presidida pelo deputado Eduardo Cunha. Os projetos enviados pelo governo foram rejeitados, parcial ou integralmente. Pautas bombas foram apresentadas e algumas aprovadas.

É verdade que o Congresso — em especial, a Câmara comandada pelo ex-presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) — dificultou a aprovação de projetos de interesse do governo dentro de seu pacote do ajuste fiscal. Em julho de 2015, por exemplo, o Senado aprovou reajuste de até 78% para servidores do Judiciário — o que foi posteriormente vetado por Dilma, por gerar impacto de R$ 26 bilhões nas contas do governo. Em julho deste ano, Temer sancionou reajuste de 41,5% para esses servidores, além de 12,5% para funcionários do Ministério Público Federal. A estimativa é de um impacto de mais de R$ 5 bilhões até 2017.

No ano passado, o governo também tinha pressa de votar a DRU (Desvinculação de Receitas da União), que garantiria ao Planalto mais liberdade de manejar R$ 121,7 bilhões. A PEC (Proposta de Emenda Constitucional) ainda está no Senado, aguardando apreciação.

Ainda no primeiro semestre do ano passado, Câmara e Senado aprovaram as medidas provisórias 664 e 665, que alteraram a concessão de pensão por morte, o seguro desemprego e o abono salarial. Prioridade para o Planalto desde que o ex-ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tomou posse, em janeiro de 2015, as duas propostas demoraram a ser apreciadas e tiveram impacto reduzido depois de alterações no Congresso: o governo deixara de receber R$ 3,9 bilhões.

O detalhe não dito é que, ainda em maio do ano passado, quando reviu pela primeira vez a meta fiscal, o governo já apresentava deficit primário de R$ 6,9 bilhões. No acumulado dos doze meses anteriores, havia deficit de R$ 38,4 bilhões — o equivalente a 0,68% do PIB. Isso significa, basicamente, que o governo fez projeções orçamentárias não realistas, o que comprometeu o que Dilma chama de "busca pelo reequilíbrio fiscal".


VERDADEIRO

É importante que a população brasileira seja esclarecida sobre este ponto: os decretos foram editados em julho e agosto de 2015 e somente em outubro de 2015 o TCU aprovou a nova interpretação.

O TCU reprovou as contas do exercício de 2014 do governo Dilma Rousseff em 7 de outubro de 2015. Segundo parecer, a presidente afastada cometeu irregularidades ao autorizar a abertura de créditos suplementares "entre 5/11/2014 e 14/12/2014, por meio dos Decretos Não Numerados 14028, 14029, 14041, 14042, 14060, 14062 e 14063, incompatíveis com a obtenção da meta de resultado primário então vigente, em desacordo com o art. 4º da Lei Orçamentária Anual de 2014, infringindo por consequência, o art. 167, inciso V, da Constituição Federal".

No entanto, os decretos de suplementação que constam do processo de impeachment não são esses a que Dilma se refere. São os decretos 14242 e 14244, de 28 de julho de 2015, e 14252 e 14250, de 21 de agosto de 2015, segundo os quais, conforme o relatório final do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), totalizam R$ 57,6 bilhões.

Em julho de 2015, entretanto, o TCU já analisava as contas de 2014 de Dilma. Em 17 de junho daquele ano, o ministro relator Augusto Nardes enviou ao Planalto 13 pontos em que questionava a lisura das contas do governo. A maior parte desses pontos viria a constar posteriormente do parecer da corte. No entanto, naqueles 13 primeiros questionamentos, não havia menção a decretos de crédito suplementar.


IMPRECISO

O Ministério Público Federal que se recusou a dar sequência ao processo, pela inexistência de crime.

Em julho, o procurador Ivan Claudio Marx, do Ministério Público Federal no DF, enviou à Justiça Federal pedido de arquivamento do inquérito que investigava criminalmente as "pedaladas" fiscais de Dilma. Segundo o despacho, ele não considerou operação de crédito o atraso proposital de repasses do governo a bancos públicos — diferentemente do que afirma o relatório final do processo no Senado.

O que Dilma não diz é que a decisão em questão contempla atrasos para custear repasses ao Minha Casa, Minha Vida e ao Bolsa Família, que não estão no escopo do processo de impeachment que tramita no Senado.

A presidente afastada também omitiu que o Ministério Público considerou que "os atos narrados configuram, sem dúvida alguma, atos de improbidade administrativa".

"Ambos atrasos, obviamente, tinham o intuito ímprobo de melhorar artificialmente as contas públicas", disse o procurador. Dilma, por sua vez, não admitiu essa interpretação.

Compartilhe

Leia também

Relatório da PF inclui Aos Fatos na lista de monitorados ilegalmente pela ‘Abin Paralela’

Relatório da PF inclui Aos Fatos na lista de monitorados ilegalmente pela ‘Abin Paralela’

Meta fecha os olhos para golpes por receio de perder verbas de publicidade

Meta fecha os olhos para golpes por receio de perder verbas de publicidade

falsoNetanyahu não disse que país ocidental forneceu urânio para programa nuclear do Irã

Netanyahu não disse que país ocidental forneceu urânio para programa nuclear do Irã